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LONGE DE CASA

2017, Rio de Janeiro

Refugiados: entenda melhor sobre esse universo

Rohingyas: a luta pela vida 

Desde agosto de 2017, o conflito em Myanmar cresceu fortemente após um grupo rebelde dos rohingyas terem atacado instalações policiais e militares em um dos estados do país, Rakhine. O exército do governo reagiu com violência, executando uma ação de limpeza étnica, provocando a fuga de centenas de milhares de pessoas para o país vizinho, Bangladesh.

Até meados de novembro, cerca de um milhão de refugiados rohingyas já tinham fugido de suas casas caminhando em longas filas por estradas de terra ou optando por barcos, onde atravessaram o Golfo de Bengala, no lugar em que têm ocorrido naufrágios dessas embarcações precárias e super lotadas, ocasionando a morte dezenas de pessoas.

O deslocamento desse enorme volume de pessoas em tão pouco tempo gerou um enorme desafio para Bangladesh: receber e acolher esses refugiados. Uma das atitudes do governo foi de atribuir uma área de 3.500 hectares para os rohingyas, com o compromisso de construir assentamentos para 150 mil famílias, das quais já foram erguidas 114.826 unidades de habitação. Além disso, as autoridades locais já fizeram o registro biométrico de 224 mil rohingyas.

Além das necessidades básicas de moradia e alimentação, os refugiados necessitam de acompanhamento médico e psicológico, devido aos traumas vivenciados nessa situação de violência e perdas. Segundo a Psicóloga da PARES Cáritas-RJ, Carine Almeida, o suporte psicológico é fundamental como apoio para pessoas que perderam seu país, seus pertences, suas histórias e, muitas vezes, seus familiares. É uma ferramenta que procura ajudar os refugiados a buscarem formas de se adaptar a uma nova cultura, a iniciar uma nova vida, tentando superar as dificuldades vividas.

Entenda o caso

Esse conflito existe desde 1892, com uma minoria da população, os rohingyas, de religião islâmica. Essas pessoas não são reconhecidas pelo estado de Myanmar como cidadãos do país, são apátridas, embora seja o local onde vivem há gerações. Por isso, não têm direito a serviços de saúde e educação, nem podem votar.

A República da União de Myanmar é um país do sul da Ásia. Foi uma colônia britânica, e era chamada de Birmânia, nome que até hoje é usado por algumas pessoas. Myanmar faz fronteira com a China, Tailândia, Bangladesh e Laos. Sua população é de maioria budista, mas uma pequena parte segue os ensinamentos do islamismo, os chamados rohingya.

Refugiados no Rio de Janeiro 

Apesar da crise humanitária ter se instalado em Myanmar, segundos dados divulgados pela ONG Cáritas-RJ, não há solicitação de refúgio de rohingyas no estado do Rio de Janeiro até o momento. Os países ranking desde a última contabilização em 19 de setembro de 2017, são: Angola, República Democrática do Congo, Colômbia, Libéria, Síria e Líbano, com faixa etária entre 35 a 65 anos. Confira os dados no gráfico abaixo.  

Histórias Cruzadas 

Depoimentos e lutas dos Refugiados no Rio de Janeiro e no mundo

"A maioria dos refugiados e solicitantes de refúgio não escolhem o Rio de Janeiro. Eles vêm pra cá porque a oportunidade de vir ao Brasil com um visto de entrada no país apareceu de alguma forma. Não é uma escolha deliberada", diz Ingrid Ferrari, Assistente da Assessoria de Imprensa da Cáritas-RJ. Muitos brasileiros ficam com medo dessas pessoas pegarem seus lugares em empregos devido a grande demanda de refugiados no Brasil.  

Segundo os dados de setembro de 2017 da ONG Cáritas-RJ, a República Democrática do Congo está em segundo lugar, com 938 refugiados congoleses no estado do Rio de Janeiro. Acima do Congo está Venezuela com 2347 refugiados.

Nossa equipe entrevistou três congoleses para saber as dificuldades que eles passaram até chegar no Brasil. São eles: Augusto Kahambi, Kamil Asad e Omari Erasto. Os nomes verdadeiros dos entrevistados não foram divulgados para a proteção dos mesmos. 

Augusto Kambami

Em uma conversa por telefone, às 23h34 da noite de segunda-feira,  Augusto Kambami relata sua busca pela sobrevivência nas terras da República Democrática do Congo. Augusto é refugiado no Brasil há dois anos, mas carrega em seu peito uma história de vida.

 

Em 2015, na Província de Bandu, município de Kahemba, Kambami era um jovem normal de classe média. Suas dificuldades financeiras eram semelhantes à de um morador do subúrbio do Rio de Janeiro. Ele dividia uma casa com quatro amigos no mesmo terreno que sua mãe morava, mas apenas Domingos pagava o aluguel. Ele relata que a moradia era linda, pois, segundo ele, "jovem gosta de coisa de brilha". Sua casa brilhava como sua vida. Sua casa brilhava como o futuro próspero que ansiamos pela chegada.

 

Em alguns meses, seu pai que era professor, adoeceu e sua mãe não poderia trabalhar para sustentar a família, nem sua irmã, porque era estudante e nova demais para o trabalho braçal. Augusto tomou a decisão de virar camelô e dar o que de comer para sua família. Então, ele sai de casa e começa as vender roupas pelas ruas de Kahemba. O lucro não era bom. A família perecia e seu pai precisava de sua ajuda. Sozinho, ele decidiu que precisava de mais dinheiro e resolveu ir até Beni, província do Kivu do Norte, ao lado da fronteira de Uganda, na ânsia de conseguir lucros com as vendas. Em Beni, Augusto precisava perambular pelas ruas, pois, rebeldes invadia os territórios de comércio para matar esses ambulantes. Augusto peregrinava todos os dias em busca de dinheiro.

 

No dia 04 de abril de 2015, aconteceu o inesperado. Rebeldes invadiram o local em que Augusto estava e mataram pessoas com facões. Segundo Kambani, não havia polícia ou forças armadas para protegê-los. Ele e mais algumas pessoas fugiram pelas florestas de Uganda onde lá padeceu por uma semana. “Deus me fez graça”, diz o jovem congolês com tom de desabado ao relatar o livramento que Deus o deu.

 

Após sete dias na floresta, ele conseguiu chegar às terras de Uganda, que também tinha rebeldes que não gostava de seu país, o Congo. Depois de Uganda, ele foi desesperado até Kenia, onde lá não falava sua língua mãe, o francês. Ele repousou por uma semana até encontrar uma pessoa, cujo Augusto o intitula de "amigo" por ter oferecido um escape. O amigo anônimo comentou que havia um navio perto deles que partirá logo cedo e que lá ele poderia encontrar abrigo. Sem ter o que fazer, Kambani foi. Foi, foi e foi.

 

Ele desembarcou no Brasil. O menino congolês que queria ajudar sua família estaria prestes a virar solicitante de refúgio no estado do Rio de Janeiro. Apreensivo por não falar o português, ele encontrou outra pessoa intitulada de "amigo", que o ajudou por meio de mímicas a se encontrar no país. O amigo levou Kambani até a PARES Cáritas RJ, uma ONG voltada para atendimento a refugiados e solicitantes de refugio. Depois de ter ido à ONG, ele conseguiu retirar o protocolo provisório de refúgio, no qual vive com ele até hoje na ânsia de conseguir regularizar seus documentos como cidadão brasileiro. 

Augusto sonha em rever a família e estudar turismo no Brasil. Todos os dias ele sonha.

A guerra na República Democrática do Congo

Kamil Asad e Omari Erasto 

A história dos dois são exatamente iguais. Kamil Asad, é um homem jovem, negro, de altura mediana, falador “a bessa”, divertido e simpático. Omari Erasto só é reconhecido por nossa equipe pela sua voz, pois a entrevista foi por telefone. Os dois são refugiados congoleses há dois anos no estado do Rio de Janeiro.

 

Kamil, é natural do Congo, cuja província e região não foram divulgadas na entrevista, e Omari nasceu da Província de Bandundu, região de Panzi. Os dois faziam parte de um partido adversário do atual governo que estava no poder. Certo dia, eles contam que essa agremiação resolveu fazer uma reunião na cidade de Mbudi May, Província de Kasai, para debater causas que ambos achassem interessante para o país. No meio da reunião, por mandato do atual governo, policiais invadiram o local e os prenderam. Eles ficaram presos por duas semanas. Tempo suficiente para serem torturados e passarem fome. Graças aos direitos humanos, Kamil, Omari e seu grupo foram soltos, mas a perseguição não chegou ao fim. Kamil relata que a política atual continuou perseguindo o grupo, até que chegou a conclusão de deixar seus bens, família e tudo que o prendia no Congo para se refugiar em qualquer lugar. Como Augusto, Kamil e Omari tinham ânsia de viver. 

Com pouco dinheiro, eles foram se refugiar em Congo-Brazaville, um dos países da África, mas o tormento não passava. Os dois resolveram dar um passo maior: eles pegaram um navio com destino ao Brasil. No dia 10 de junho de 2015, em uma quinta-feira, eles atracavam no Rio de Janeiro. Perdidos e sem saber falar o português, Kamil foi recebido por uma pessoa que o encaminhou para o bairro de Gramacho, situado no município de Duque de Caxias, onde existe uma concentração de congoleses. Ainda perdido, ele foi até a ONG Cáritas-RJ, lugar onde conseguiu se legalizar no país. Já Omari diz que ele foi recebido pela polícia, no qual o levou também para a Cáritas, e lá ele conseguiu retirar seu protocolo de refúgio no Rio. Os dois relatam que passam dificuldade financeira até hoje, "a condição de vida é muito difícil", relata Omari Erasto. 

Hoje, eles sonham em rever suas famílias e conseguir um trabalho digno, porque aqui no Brasil a burocracia é longa para a retirada dos documentos, eles apenas possuem um protocolo de refúgio. Muitas empresas abusam desse estado que eles se encontram e contratam refugiados como Kamil e Omari, assim, essas corporações não precisam gastar nada além de um salário mínimo ou as vezes muito menos do que isso para obter mão de obra barata.

Ao final da entrevista, Kamil apela por reconhecimento. Ele clama ajuda. “Se o Brasil não tem condição de nos receber, ele precisa fechar as portas. A vida aqui está difícil. Eu amo o Brasil e as pessoas que vivem aqui, mas passo dificuldade por ser refugiado. Meu sonho é rever minha família e estudar. Aqui eu não posso fazer isso ainda”, relata Kamil Asad.

Texto: Nathália Araújo e Thaíssa Duarte                 Direção de arte: Nathália Araújo

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